Sem dúvidas um dos principais temas discutidos em 2023 foi o da Inteligência Artificial. Obviamente são muitos os aspectos envolvendo o tema, o que vai desde uma grandiosa campanha publicitária até montagens e vazamentos de celebridades, construídas obviamente com esse recurso tecnológico. Vou me ater aqui sobre o uso dessa ferramenta de forma lícita para entendermos o que está em debate em relação ao direito de uso.
Embora tenhamos visto o tema sendo discutido em diversas ocasiões, ele ainda não está claro em relação a alguns aspectos relevantes no que se refere aos direitos atrelados a seu uso. Porém, no badalar dos sinos do fim do ano, surgiu um projeto de lei que promete trazer luz, em parte, ao tema.
Seguindo dois pontos muito questionados no meio de 2023, o deputado Marx Beltrão (PP-AL) propôs no Projeto de Lei 4025/23 a necessidade inequívoca de autorização do uso de imagem de pessoas representadas pela IA, bem como o rol de legitimados para conceder tal autorização quando tratarmos de pessoa falecida. O recurso é conhecido como deep fake, e veio à tona na ocasião da propaganda da Volkswagen, que trazia a falecida Elis Regina dirigindo a nova Kombi. Você se lembra dessa campanha?
No mesmo projeto, o parlamentar também foi feliz ao bem colocar que as obras utilizadas para treinamento das IAs que são protegidas por direitos autorais devem receber remuneração, já que hoje as Inteligências Artificiais generativas se utilizam de banco de dados que não são necessariamente abertos para se aprimorarem, sem que para isso tenham que remunerar tal utilização. Com tal proposição, isso deve mudar e dar aos detentores das obras a devida e justa contrapartida.
No entanto, a mesma luz não pudemos vislumbrar em relação ao tratamento de direitos, principalmente os patrimoniais, em relação aos produtos gerados por tais IAs.
O direito autoral brasileiro é centrado na criação da alma, o que pressupõe, pela lógica, a necessidade de um ser humano, o que seguiu o projeto, apontando que a condição de autor fica restrita aos humanos. Porém, o PL complementou que as obras geradas por IAs não gozam, independente do grau de complexidade e autonomia da ferramenta, de proteção autoral, o que jogaria de imediato essas criações ao livre uso de qualquer um, independente do investimento em licenças pela empresa ou pessoa que desse o comando.
Hoje, no cenário internacional existem algumas possibilidades de tratamento dos produtos gerados pelas IAs generativas em debate. Uma corrente prevê que, embora a condição de autor seja humana, a proteção patrimonial subsiste para o detentor da ferramenta – o que era o rumo do debate em voga no Brasil antes do projeto do deputado.
Outra corrente segue pela ausência de proteção autoral a tais criações, deixando assim o produto livre para uso de quem quer que seja, o que pode ser entendido, pelos termos do projeto, a nova adoção proposta em terras pátrias.
Uma terceira, no entanto, embora não dê proteção autoral tampouco permita seu uso geral, a restringe a aquele, seja a pessoa física ou pessoa jurídica, que pagou pela licença do software – e, por seu comando, gerou o produto, tendo assim o direito de exploração dos itens gerados pela ferramenta.
As correntes partem de um olhar muito distinto sobre o que é a inteligência artificial generativa. Se a vermos como uma simples ferramenta, em que a pessoa tem uma intervenção criativa determinante, ficaríamos com o terceiro tratamento, que compara o ChatGPT ao Word, por exemplo, deixando claro que os textos de comando imputados às ferramentas são de determinante criatividade da pessoa que o escreve, e logo, seria também o resultado.